ALTERANDO PAISAGENS / CHANGING LANDSCAPES
(PT)
Programa transdisciplinar de intercâmbio entre artistas brasileiros e holandeses sobre alteração de paisagens e uso da terra.
DIREÇÃO E CURADORIA: GABRIELA MACIEL E YASMINE OSTENDORF
ARTISTAS: DANI KOHN -MARIT MIHKLEPP - MAURICIO CHADES - SUZETTE BOUSEMA
Uma parceria de Green Art Lab Alliance, TAL – Tech Art Lab e A boneca conceitual, com apoio institucional do Consulado Geral dos Países Baixos do Rio de Janeiro.
Mudanças de paisagem em larga escala tais como barragens hidroelétricas, geo-engenharia, mineração e monocultura, são maneiras de remover emaranhados ao seus respectivos lugares. Estas alterações têm consequências de longa duração, diretas ou indiretas, incluindo alagamentos, incêndios descontrolados, extinção de espécies, desmatamento e poluição de solo e rios. O uso da terra, especialmente para energia e comida, define a estética das paisagens brasileiras e holandesas, sejam suas monoculturas ou estufas, barragens ou turbinas eólicas. Principalmente para comida e combustível, tanto o Brasil quanto os Países Baixos estão homogeneizando os cenários tão extensivamente que nós estamos perdendo a complexa noção de lugar e pertencimento. Tradicionalmente flora e fauna definem-se como lugares não urbanos; a biodiversidade é uma rede complexa, influenciada por temperatura, humidade, fluxo de ventos, bactérias, micélio e muitos outros fatores eco-sistêmicos. Todos se alimentam um dos outros e formam intrincados relacionamentos interdependentes que criam ambientes habitáveis para inúmeras espécies, inclusive humanos. Nós propomos que remover esses emaranhamentos pode sugerir o não-lugar do século 21. No livro de Marc Augé “Não-lugares: Introdução à uma Antropologia da Super-modernidade (1995)” eles são aeroportos, estradas, hotéis, estacionamentos, marcando a perda das relações, história e identidade da nossa sociedade atual. Agora, mais de 25 anos após o lançamento do livro, nós podemos dizer que são os alagamentos globais, incêndios, monoculturas, secas, mineração e desmatamento em larga escala que marcam e definem a nossa época “pós-super-moderna”.
O ponto de partida para este projeto é a noção de que devido ao aumento das demandas globais por combustível e produção de alimentos, as terras de agricultura estão gradativamente se tornando não-lugares. Irrigações e fertilizantes permitem-nos adaptar as paisagens de tal forma que podemos plantar vegetais mais populares (soja, milho, batata, cana de açúcar, arroz, trigo) mesmo que completamente fora de seu contexto. Em estufas, populares nos Países Baixos, nós criamos micro-climas artificiais para aumentar a eficiência. Poderíamos até dizer que um campo de trigo ou uma estufa são tão domesticados quanto um cenário urbano. Tanto Brasil quanto os Países Baixos são jogadores importantes no mercado internacional de alimentos, cada vez mais afetando ecossistemas ao ponto de colapso. Embora ambos os países estejam em pontas opostas do globo terrestre, eles estão, ao mesmo tempo, sendo afetados pela crise climática. O Brasil devido ao desmatamento, agrotóxicos, e suas complexidades emaranhadas, e os Países Baixos porque estão propensos à elevação dos níveis do mar – entre outras muitas razões.
Nós acreditamos que artistas tem um papel significante em trazer novas formas de apresentar estes tópicos para o público. Ambas as curadoras e a produtora executiva se conheceram na Amazônia em agosto de 2019, durante a residência artística Labverde. Os incêndios na floresta estavam descontrolados, e nós nos aproximamos a partir de nossa profunda preocupação sobre o futuro da Amazônia. Uma grande parte do desmatamento é devido à apropriação de terras para criar roças de monocultura e pasto. Plantações e carne que então serão exportados para países incluindo os Países Baixos. Embora um país seja pequeno e o outro muito grande, tanto Brasil quanto os Países Baixos são participantes importantes e intrincados no mercado internacional de alimentos. A urgência por mudança é maior que nunca com ecossistemas colapsando e doenças zoonóticas surgindo (devido à perda de espécies). Nós queremos aumentar a conscientização tanto no Brasil quanto nos Países Baixos e facilitar a troca de conhecimento sobre o tema. Nós também acreditamos que existem muitas soluções inovadoras nos Países Baixos no que diz respeito a plantio e estufas e ainda assim pode aprender muito sobre as práticas indígenas e tradicionais e plantações comunitárias.
Changing Landscapes/Alterando Paisagens é um programa de intercâmbio internacional entre artistas brasileiros e holandeses que tem interesse em temas tais como uso da terra, sistemas de alimentos, disputa de terras, energia (de hidroelétricas e turbinas eólicas), plantações, clima, biodiversidade e outros assuntos afins. Através de conversas curatoriais, grupos de estudo e outras formas de intercâmbio de conhecimento, o propósito do projeto é estimular o engajamento criativo com a (problemática) noção de paisagem antropocênica em ambos os países.
Dois artistas brasileiros e dois artistas holandeses foram selecionados pelas curadoras, em colaboração com as Residências Labverde (Brasil) e Valley of the Possible (Países Baixos/Chile), para desenvolver um trabalho durante o programa que será compartilhado a partir deste website.
(EN)
Transdisciplinary exchange programme between Dutch and Brazilian artists on changing landscapes and land-use.
DIRECTED AND CURATED BY: GABRIELA MACIEL AND YASMINE OSTENDORF
ARTISTS: DANI KOHN -MARIT MIHKLEPP - MAURICIO CHADES - SUZETTE BOUSEMA
A project partnership between the Green Art Lab Alliance, TAL – Tech Art Lab and A boneca conceitual, supported by the Consulate-General of the Netherlands in Rio de Janeiro.
Large-scale alterations into the landscape such as hydroelectric dams, geo-engineering, mining and monoculture plantations are ways to remove entanglements to place. These alterations have long-lasting direct and indirect trickle-down consequences, including flooding, uncontrolled fires, extinction of species, deforestation and polluted soil and rivers. Land-use, particularly for energy and food, define the aesthetics of the Brazilian and Dutch landscapes, whether it’s monocultures or greenhouses, dams or wind turbines. Mostly for food and fuel, both Brazil and the Netherlands are homogenizing landscapes to such an extent that we are losing the complex notion of place and belonging. Traditionally flora and fauna would define a non-urban place; biodiversity is complex web, influenced by temperature, humidity, windflows, bacteria, mycelia and many other ecosystemic factors. They all feed off each other and form intricate interdependent relationships that create liveable habitats for endless amounts of species, including humans. We propose that removing these entanglements could suggest the non-place of the 21st century. In Marc Augé’s Non-Places: Introduction to an Anthropology of Supermodernity (1995) it were airports, motorways, hotels, parking garages marking the loss of relations, history, and identity of our current society. Now, more than 25 years after ‘Non-Places: Introduction to an Anthropology of Supermodernity’ – we could say it’s the global floodings, fires, monocultures, draughts, minings and large-scale deforestation that mark and define our age of ‘post- supermodernity’.
The starting point for the project is the notion that due to the increased global demand for fuel and food-production, agricultural lands are increasingly becoming ‘non-places. Irrigation and fertilizers allow us to adapt landscapes to such an extent we can grow crops that are popular (soy, corn, potatoes, sugarcane, rice, wheat), though completely alien to their context. In greenhouses, popular in the Netherlands, we create artificial micro-climates to increase efficiency. One could even say that a wheat field or a greenhouse, are just as domesticated as an urban landscape. Both Brazil and the Netherlands are important players in the global food-market, increasingly affecting ecosystems to the point of collapse. Though the countries are on opposite ends of the globe, they are simultaneously at the forefront of being affected by the climate crisis. Brazil due to deforestation, agrotoxics and all the entangled complexities and the Netherlands because it’s prone to rising sea-levels – amongst many other reasons.
We believe artists have an important role to play in bringing important topics to the public in new ways. Both the two curators and the executive producer met each other in the Brazilian Amazon in August 2019 during the Labverde residency. The forest fires were peaking and we bonded over our deep concerns about the future of the Amazon. A big part of the deforestation is due to land-grabbing to create lands for monocultures and cattle to graze. Fudder and meat that is then exported to countries including the Netherlands. Though one a very small country and the other very big, both Brazil and the Netherlands are important and entangled players in the global foodmarket. The urgency for change is bigger than ever with ecosystems collapsing and zoonotic diseases on the rise (due to habitat loss of species). We want to raise awareness both in Brazil and in the Netherlands and allow for knowledge exchange on this topic. We also believe there are a lot of innovative solutions in the Netherlands when it comes to efficient farming and greenhouses whilst the Netherlands can learn a lot from for instance traditional and indigenous practices and community-based farming.
Changing Landscapes/Alterando Paisagens is an online exchange program between Brazilian and Dutch artists who are interested in topics such as land-use, food-systems, land-reclamation, energy (from hydro-electric dams to wind turbines), farming, climate, biodiversity and other related topics. Through curatorial conversations, Reading Groups and other forms of knowledge exchange, the purpose of the project is to stimulate creative engagement with the (problematic) notion of the anthropocentric landscape in both countries.
Two artists from the Netherlands and two artists from Brazil have been selected, by the curators, in collaboration with residencies Labverde (Brazil) and Valley of the Possible (Netherlands/Chile) to develop work during the programme that will be shared on this website.
suzette bousema
(PT)
SUPERORGANISMOS
INVISÍVEL A OLHO NU E AMEAÇADO POR NOSSA ATIVIDADE.
Com a mesma curiosidade de uma cientista Suzette Bousema visualiza temas ambientais contemporâneos. As condições planetárias e nosso lugar nelas são o ponto de partida de seu trabalho; a maneira como os humanos interferem na natureza e como nos relacionamos com a Terra a um nível individual.
Ao ver a beleza da pesquisa científica, seu objetivo é contribuir para os debates ambientais em andamento de uma forma positiva. Inspirada no livro Hyperobjects de Timothy Morton, Suzette visualiza "objetos" que são muito grandes ou abstratos para entender, como as mudanças climáticas e a poluição global.
Como podemos tocar a rede de um organismo crucial mas subestimado?
A rede de fungos microrrízicos é o maior sistema vivo que existe no planeta Terra e desempenha uma papel crucial em ecossistemas.
Comumente descrita como a ‘internet’, ou o ‘cérebro’ da floresta, é uma rede fúngica pela qual quase todas as plantas estão conectadas. Regularmente referenciada como uma forma de comunicação, as plantas “negociam” carbono com esta rede, melhorando o acesso a nutrientes, minerais e água.
Mais da metade do carbono processado por plantas durante a fotossíntese passa através desta micorriza e é armazenada no solo.
Essa simbiose ancestral entre plantas e fungos está ameaçada pela atividade humana, tais como o uso de fertilizantes e pesticidas, desmatamento e mudanças no uso da terra.
Quando Bousema tomou conhecimento desta colaboração entre plantas e fungos, notou o quanto nós somos inclinados a compará-la com estruturas humanas, como a internet ou o cérebro. Até certo ponto isso os ajuda a estimular a empatia para com ela, ainda que simultaneamente limitando o entendimento desse fenômeno relativamente novo.
Dentro deste mesmo estudo sobre os Superorganismos foi desenvolvido Knurl, um instrumento eletroacústico criado por Suzette Bousema em colaboração com a musicista brasileira Rafaele Andrade, que estuda no Conservatório Real, em Haia.
Andrade e Bousema criaram este instrumento com materiais compostáveis e realizaram uma ação performática na floresta.
A performance de Andrade tocando o instrumento foi gravada na exposição de Bousema no parque nacional holandês De Kaapse Bossen, nos Países Baixos.
Confira as obras completas de Suzette Bousema aqui.
(EN)
SUPERORGANISMS
INVISIBLE TO THE NAKED EYE AND THREATENED BY OUR ACTIVITIES.
With the same curiosity as a scientist Suzette Bousema visualizes contemporary environmental topics. Planetary conditions and our place in them are the starting point in her work; the way humans interfere with nature and how we relate to the Earth on an individual level.
By seeing the beauty of scientific research, her aim is to contribute to ongoing environmental debates in a positive way. Inspired by the book Hyperobjects from Timothy Morton, Suzette visualizes ‘objects’ that are too big or abstract to grasp, such as climate change and global pollution.
How can we tap the web of a crucial and underrated organism?
The microrhizoic fungal network is the largest living system existing on planet Earth and plays a crucial role in ecosystems. Commonly described as the 'internet', or the 'brain' of the forest, it is a fungal network through which almost all plants are connected. Often referred to as a form of communication, plants “trade” carbon with this network, improving access to nutrients, minerals and water.
More than half of the carbon processed by plants during photosynthesis passes through this mycorrhiza and is stored in the soil. This ancient symbiosis between plants and fungi is threatened by human activity, such as the use of fertilizers and pesticides, deforestation and changes in land use.
When Bousema became aware of this collaboration between plants and fungi, she noticed how much we are inclined to compare it to human structures such as the internet and the brain. To some extent this helps them to encourage our empathy for them, while simultaneously limiting our understanding of this relatively new phenomenon.
Within this same study on Superorganisms was developed Knurl, an electroacoustic instrument created by Suzette Bousema in collaboration with the Brazilian musician Rafaele Andrade, who studies at the Conservatório Real, in The Hague.
Andrade and Bousema created this instrument with compostable materials.
Andrade's performance playing the instrument was recorded at Bousema's exhibition in the Dutch national park De Kaapse Bossen, in the Netherlands.
Check Suzette Bousema’s extensive work here.
maurício chades
(PT)
PROJETO DECOMPOSIÇÃO: TECENDO UM JARDIM COMO FLORESTA E UMA FLORESTA COMO CEMITÉRIO (TRABALHO EM PROGRESSO).
Maurício Chades é artista visual e cineasta piauiense. Mestre em Arte e Tecnologia e Bacharel em Audiovisual pela UnB, cursa um MFA na SAIC School of the Art Institute of Chicago, no departamento Film, Video, New Media and Animation. Decomposição, rituais de morte, ficção especulativa, relações interespécie e tensões territoriais são temas que orbitam seu trabalho, que assume diferentes formas a cada projeto – entre filme, instalação, escrita, bio-arte-e-tecnologia e performance. Em 2019 apresentou sua primeira exibição solo, Pirâmide, Urubu, na Torre de TV Digital de Brasília.
“Após morar em diferentes bairros de Brasília, me mudei para Alto Paraíso de Goiás no segundo semestre de 2020. A cidadezinha fica no coração do Cerrado, o segundo maior bioma brasileiro, atrás da Floresta Amazônica. Desfiz minha vida na capital do Brasil pretendendo me mudar para Chicago. Quando fui impedido pela pandemia de ir para o exterior, ajudei minha mãe a realizar o sonho da casa própria – em uma cidade pequena e com um espaço generoso para o cultivo de um jardim florestal. Quando chegamos, o solo estava degradado de forma que nem mesmo grama crescia. Por saber algo de agroecologia, me apressei a intervir no espaço plantando muitas espécies: nativas, não nativas, frutíferas, vegetais, comida inconvencional – a maior variedade possível, para aproveitar ao máximo o início da estação chuvosa. Inicialmente, resisti a entender que minha prática de mudar a paisagem seria um novo projeto artístico, mas reconhecendo que estaria aqui por tempo indeterminado, vi o confinamento como possibilidade de residência artística. Delimitado pelos quatro cantos dos muros da nova casa, teço alianças com seres visíveis e invisíveis, criando um jardim heterogêneo e pluriversal.
Tomo emprestado da ecologia o termo “distúrbio” para nomear ações que tenho empenhado no espaço esperando por resultados diversos: o que acontece se eu der um manjar de coco às minhocas? E se eu inocular fungos em fotos de família? Pretendendo fazer arte surgir de relações ecológicas, por agora estou comprometido com o desenvolvimento de duas peças: a primeira é uma instalação site-specific chamada Torre: Perspectiva Vertical sobre Relações Multiespécies; e a segunda é um filme experimental, esculpido como um trabalho gêmeo. Distúrbio é um termo comumente conectado com degradação, “mas como usado por ecologistas, nem sempre é ruim, nem sempre é humano”, diz Anna Tsing. Alguns distúrbios parecem pequenos: como a inserção de uma árvore de espécie exótica. Outros são grandes: como a queimada de centenas de hectares de Cerrado. O que sucede a este último distúrbio tão comum durante a estação seca é o exuberante rebrotamento de muitas plantas que tem raízes profundas e cascas grossas. Tais brotos atraem herbívoros famintos que, até pouco tempo, fugiam do fogo. Distúrbios abrem espaço para encontros transformadores, possibilitando novas assemblagens. “Distúrbios podem renovar ecossistemas, assim como destruí-los”. No jardim, muitos dos distúrbios são provocados por mim, mas estou ansioso por ver o sistema emergindo por meio de outros seres, independente da ação humana. Desejando expandir a ideia de ecologia, proponho que distúrbios sejam entendidos não só como as mudanças trazidas pelas relações ecológicas no jardim, mas também aquelas que alteram o contexto sócio-político. Na nossa narrativa, distúrbio é o elemento que faz a trama avançar, beat a beat até que se alcance o clímax.
Durante os primeiros meses aqui, me dediquei a ativar a casa, criando um sistema de produção e consumo. Nós temos um minhocário, outra composteira para os restos de comida que as minhocas não gostam, uma caixa d’água para acumular a água cinza descartada pela lavanderia e um espaço para fogueira. Tudo se transforma em solo, até mesmo as cinzas. Quando colhemos no jardim, nos interessamos por pesquisar novas receitas. É uma casa inclinada à agroecologia porque retêm a energia que produz. As técnicas desse tipo de agricultura ensinam como manter tudo na terra. Podas de galhos, folhas, raízes ressaltam o sutil intervalo entre vida e morte, composição e decomposição. Cultivando uma grande variedade de espécies, a necessidade de pesticidas contra insetos é suprimida, justamente porque se evoca uma dinâmica florestal caótica na qual dificilmente a população de uma única espécie cresça até se tornar peste. Tal dinâmica caótica, na qual vários tipos de plantas habitam o mesmo canteiro (o oposto do modelo monocultural), atrai diversos pássaros, insetos e fungos.
Não estamos acostumados a ler histórias sem heróis humanos, Anna Tsing nos diz em The Mushroom at the End of the World – On the Possibility of Life in Capitalist Ruins. Trago aqui uma de seus problemas, palavra por palavra, porque sintetiza uma grande questão do meu projeto: “Posso apresentar a paisagem como protagonista de uma história na qual os humanos sejam apenas um tipo de participante?” Como posso reconhecer outros seres vivos como “personas”, ou seja, personagens de histórias? A história que quero contar identifica as redes que são tecidas no quintal da casa que moro com minha mãe, meu namorado, meus dois gatos e infinitos outros seres. Mas também inclui a cidade e se espalha pela malha rural do estado de Goiás – marcado pelo agronegócio e seus imensos hectares de monocultura e pastos para gado. O que pode significar um jardim agroecológico no meio desse “deserto verde”?
Torre: Perspectiva Vertical sobre Relações Multiespécies tem uma estrutura de quatro andares que sugerem a narrativa do filme-gêmeo: no primeiro andar, estão as minhocas esperando por oferendas comestíveis para pessoas queridas já falecidas; o segundo andar é um altar que minha mãe customizou com fotos, rosário e outros objetos católicos. O próximo é uma chafariz ativado por energia solar que espalha umidade, atraindo pássaros e borboletas. O último andar é um prato com frutas e sementes ofertadas para os pássaros. Eu pintei um triângulo azul no muro que pode tornar mais fácil trocar o fundo, transferindo os pássaros para outras paisagens por meios de efeito chroma key. Além disso, também há um quinto ato narrativo: ao longo dos tubos que estruturam a peça, estou cultivando cogumelos bioluminescentes que, espero, brilharão verde à noite, dando à instalação uma versão noturna. Ter cogumelos frutificando no centro do jardim é também uma maneira de lembrar que debaixo do solo desse jardim-floresta, fungos se estendem em redes, se conectando às raízes de plantas e minerais. O filme narra essas relações multiespécie numa perspectiva vertical e tem minha mãe como uma personagem contando suas expectativas para o jardim. Escutamos seu testemunho oferecendo cada uma das plantas que ela coloca no chão para cada um dos falecidos. Ela tece o jardim como uma floresta e uma floresta como um cemitério. Entendendo que a Torre é uma peça site-specific, esta se limita a ser experienciada por aqueles que podem testemunhá-la no contexto pandêmico – os moradores da casa, os pássaros que visitam todos os dias buscando comida, insetos, fungos, gatos. O trabalho não pode ser fisicamente transportado para uma galeria de arte, uma vez que é ativado por forças ecológicas de um lugar específico. Proponho Torre como um trabalho que nos ajude a ver as redes de relações que se estabelecem no jardim e além. Algumas espécies, como os fungos, crescem na estrutura, enquanto outras, pássaros e insetos, são atraídas randomicamente, aumentando a indeterminabilidade de encontros. Quanto mais pareço confinado e isolado, mais o projeto é coletivo e colaborativo. Não porque eu sei quem são meus colaboradores, mas muito mais porque não sei de muitos deles que operam no sistema. Porque sua presença é invisível e às vezes até seu trabalho nos pede para apertar os olhos para que seja notado. Acredito que em algum momento precisarei pensar mais sobre a ideia de autoria interespécie. Depois de meses de interferência no espaço, já reconheço a presença recorrente de alguns seres, que poderia chamar de parceiros. A rede está sempre crescendo, minhocas, lagartas, formigas e moscas. Estou indo ao encontro delas, que já nem sempre fogem. Já me sinto desejado. Estamos nos atraindo.
Confira as obras completas de Maurício Chades aqui.
(EN)
DECOMPOSITION PROJECT: WEAVING A GARDEN AS A FOREST AND A FOREST AS A CEMETERY (WORK IN PROGRESS)
Visual artist and filmmaker from the Brazilian Northeast. He holds a Master’s Degree in Art and Technology and a Bachelor’s Degree in Audiovisual, both from the University of Brasilia (UnB). He is currently pursuing an MFA at the SAIC School of the Art Institute of Chicago, in the Film, Video, New Media, and Animation department. Decay, death rituals, speculative fiction, inter-species relations, and territorial tensions are some themes of his work, which takes different forms with each project – between film, installation, bio-art-and-technology, and performance. In 2019 he presented his first solo exhibition, Pirâmide, Urubu, at the Digital TV Tower in Brasília.
After living in different neighborhoods of Brasília, I moved to Alto Paraíso de Goiás last Fall. Right in the heart of the Cerrado, it’s the second-largest Brazilian biome after the Amazon Rainforest. I undid my life in the Brazilian capital intending to move to Chicago. When I was prevented from going abroad due to the pandemic, I helped my mother to buy her house in this small town, with a good yard to create a forestry garden. When we arrived, the soil was damaged, not even the grass could grow. I have a background in agroecology, and hurried to intervene in the space by planting many species: native, non-native, fruits, vegetables, unconventional food – the greatest variety possible, to make sure to take advantage of the beginning of the rainy season. Initially I was reluctant to understand that my practice of transforming a landscape would be a new artistic project, but recognizing that I would be here indefinitely, I realized it was an opportunity to transform my confinement into an artistic residency. Bounded by the four corners of the new house, I wove alliances with visible and invisible beings, creating a heterogeneous and pluriversal yard.
I am borrowing the ecological concept “disturbance” to name the actions I have done in the space waiting for unpredictable results: what happens when I give a coconut flan to worms? What if I inoculate family photos with liquid fungi culture? To make art arise from ecological relations, for now, I am committed to developing two pieces: the first is a site-specific installation, called Tower: Vertical Perspective On Multispecies Relations; and the second is an experimental film, shaped as a twin piece (that may be a short and/or a video installation). Disturbance is a term commonly connected to demage, “but as used by ecologists, is not always bad – and not always human”, Anna Tsing says. Some disturbances are small: like the insertion of an exotic species tree. Some are huge: such as the burning of hundreds of hectares of Cerrado. What follows this last disturbance so common in the dry season is the exuberant regrowth of many plants that have deep roots and thick barks. Which attracts hungry herbivores who, before, fled the fire. Disturbance opens the terrain for transformative encounters, making new landscape assemblages possible. “Disturbance can renew ecologies as well as destroy them”. In the garden, many of the disturbances are being provoked by me, but I am excited to see the system being driven by other beings, independent of human action. In order to expand the idea of ecology, I propose that disturbance should be understood not only as changes brought about by ecological relations in the garden, but also those that alter the socio-political context. In our stories, disturbance is the element that makes the plot move forward, beat by beat until the climax is reached.
During the first few months here, I dedicated myself to activating the house, creating a system of production and consumption. We have a worm farm, another composter for food waste that the earthworms do not like, a reservoir of water discarded by the washing machine and a fire pit. Everything turns into soil, even the ashes. When we harvest from the garden, we are interested in discovering new recipes. It is a home inclined to agroecology because it retains the energy it produces. The techniques of this type of agriculture teach how to keep everything in the land. Prunings, branches and leaves all emphasize a subtle interval between life and death, composition, and decomposition. By cultivating the largest number of species, the need for pesticides against insects is suppressed, precisely because a chaotic forest dynamic is simulated in which hardly any species can overpopulate and become a pest. Such chaotic dynamics, in which several plant species inhabit the same bed (the opposite of a monoculture model), attracts many species of birds, insects, and fungi.
We are not used to reading stories without human heroes, Anna Tsing tells us in The Mushroom at the End of the World – On the Possibility of Life in Capitalist Ruins. I’m bringing here one of her inquiries, word by word because it sums up a big question of the Decomposition Project: “Can I show landscape as the protagonist of an adventure in which humans are only one kind of participant?” How can I recognize other living beings as “persons,” that is, characters of stories? The story I want to tell identifies the webs that are woven in the backyard of the house that I live in with my mother, my boyfriend, my two cats and endless other beings. But it also includes the city and spreads throughout the countryside of Goiás State – agribusiness and its immense hectares of monocultures and cattle pastures. What could an agroecological garden mean in the middle of this “green desert”?
Tower: Vertical Perspective On Multispecies Relations has a four grounds structure that suggests the narrative of the twin film piece: the first floor is where the worms are, waiting for food offerings to the dead loved ones; the second is an altar which my mom customized with photos, rosary and other Catholic objects. The next is a solar power-based fountain that spreads humidity, attracting birds and butterflies. The last floor is a plate with fruits and seeds offered to the birds. I painted a blue triangle on the wall that would make it easy to change the background, putting the birds in other landscapes through chroma key effect. In addition there’s still a fifth act in the narrative, which is the fact that alongside the tubes that structure the piece I am growing bioluminescent mushrooms that, I hope, will glow green during the night, giving the installation a night version. To have mushrooms fruiting in the center of the garden is also a way of remembering that below the garden-forest ground, fungal bodies extend themselves in nets and skeins, binding roots, and mineral soils. The film narrates those multispecies relations in a vertical perspective and includes my mother as a character telling her own expectations to the garden. We hear her testimony offering each one of the plants she puts into the ground to one of her deceased loved ones. She is weaving a garden as a forest and a forest as a cemetery.Understanding that the Tower is a site-specific piece, it is limited to be experienced by those who can witness it in the pandemic context – the residents of the house, the birds that visit every day in search of food, insects, fungi, cats. The work cannot be physically transported to an art gallery, since it is activated by the ecological forces of a specific place. I propose the Tower as a piece that helps us to see the network of relationships that is established in the garden and beyond. Some species, such as fungi, grow in the structure, while others, birds and insects, are randomly attracted, increasing the indeterminability of the encounters. As much as I seem to be confined and alone, this is a collective and collaborative project. Not because I know who my collaborators are, but much more because I don’t know many of them who operate in this system. Because their presence is invisible, and sometimes even their work asks us to squint our eyes so that it is noticed. I believe that at some point I will need to think more about the idea of interspecies authorship. After months of interference in the space, I already recognize the recurring presence of certain beings, which I could call “oddkin”. The net is always growing, earthworms, caterpillars, ants and flies. I am going towards them, who don’t always run away. I already feel wanted too. We are drawn to each other.
Check Maurício Chades’ extensive work here.
marit mihklepp
(PT)
MEIO ESCONDIDO, MOVIDO POR MUSGO, COMO UMA NUVEM (TRABALHO EM PROGRESSO)
Artista estoniana, atualmente baseada nos Países Baixos. Mestra em ArteCiência pela Royal Academy of Art, Haia, e bacharel em Design Têxtil pela Estonian Academy of Arts. Marit especula sobre a im/possibilidade de comunicação entre humanos e outros-não-humanos. Trabalhando com parentesco estendido – tanto com familiares (pedras, árvores) quanto inexplicáveis (matéria escura microbiana) – ela almeja uma experiência íntima dentro do emaranhamento de tempo e espécies cruzadas. Seu trabalho atual foca em imaginação geológica e encontro com rochas.
Através da revisitação diária de 6 locais em seu parque local, a artista Marit Mihklepp começou a nutrir um íntimo relacionamento com seu meio-ambiente direto, percebendo suas mudanças sutis com todos os sentidos. Criar relacionamentos com a nossa paisagem local nos ajuda a começar a cuidar dela; isso nos permite ver como ela muda com as estações ou quais espécies dependem dessa paisagem, usando-a como habitat, espaço de alimentação, cruza e nascimento. Esse exercício é algo que qualquer um pode fazer, treinar os sentidos e tomar notas sobre as mudanças ou inércias. Uma meditação que nasce da simplicidade, e ainda assim possibilita a percepção da complexidade do lugar. Cada dia de Março 2021 eu fui caminhar em Westduinpark, Haia. Eu segui uma mesma rota, tomei notas e tirei fotos dos meus 6 lugares. Era um simples exercício de entender como uma prática mais persistente de reunir-me com um mesmo cenário poderia sintonizar e conectar meu corpo a ritmos diferentes dos meus. Mais do que procurar por algo específico ou entrar com um plano pré-existente, eu tentei caminhar com a cabeça vazia. Eu não tinha a menor ideia se este método teimosamente sistemático de tirar fotos com o celular faria qualquer sentido. Os escritos marcavam as observações dos encontros, dos estados mentais ou qualquer coisa que eu coletasse pelo caminho. Foi uma luta não pensar demais e não recair nos padrões embutidos de que eu deveria produzir algo imediatamente. Talvez também porque as escapadas nas dunas começaram como espaço feitos pelo homem onde agora a linguagem multissensorial de seres de dunas e meteorologia – pinhas, chuva, vacas das terras altas, grama, melros, areia, nuvens – estão de novo criando suas próprias ordem e caos. Todos os 31 das de Março se encontram em uma única imagem de cada local escolhido. Os escritos se tornaram leituras, alternando da paisagem que os engatilhou para qualquer paisagem onde a escuta tenha lugar.
Confira as obras completas de Marit Mihklepp aqui.
(EN)
HALF-HIDDEN, MOSS-DRIVEN, CLOUD-LIKE (WORK IN PROGRESS)
Estonian artist, based in The Netherlands. She holds a MA degree of ArtScience (Royal Academy of Art, The Hague) and a BA degree of Textile Design (Estonian Academy of Arts). She speculates on the im/possibilities of communication between humans and other-than-humans. Working with extended kinships – both with the relatively familiar (rocks, trees) and the unexplained (microbial dark matter) – Marit aims to get an intimate experience within the cross-species/cross-times entanglements. Her current work is focussed on the geologic imagination and encounters with stones.
Through the daily revisitation of 6 sites in her local park, artist Marit Mihklepp started to nurture an intimate relationship with her direct environment, perceiving its subtle changes with all her senses. Creating relationships with our local landscapes helps us to start caring about them; it allows us to see how they change with the seasons or which species are depending on it, using it as their habitat, breeding, feeding or mating grounds. This exercise is something anyone can do, training the senses and making notes of change or stillness. A meditation that is born from simplicity, yet enables to perceive complexity of place. Each day of March 2021, I went for a walk in Westduinpark, The Hague. I moved on the same route, took notes and made photos of the same six spots. It was a simple exercise to understand how a more persistent practice of meeting the same landscape would tune and connect my body to different rhythms than my own. Rather than looking for something specific or entering with an existing plan, I tried to walk with an empty head. I had no idea if this stubbornly systematic way of phone-photographing made any sense. The writings marked the observations of encounters, mental states or anything I picked up on the way. It was a struggle not to (over)think and not to fall back into the built-in patterns of having to produce something immediately. Perhaps also because the dunescapes started as human-made places where now the multisensory languages of weather and dune beings – pines, rain, highland cows, marram grass, blackbirds, sand, clouds – are once again creating their own order and chaos. All 31 days of March met in a single image of each chosen location. The writings became a reading, shifting away from the landscape that triggered them, to any landscape where the listening might take place.
Check Marit Mihklepp’s extensive work here.
daniela serruya kohn
(PT)
TRANSCOZINHA
Mora em Belo Horizonte. Formada em Pintura pela Escola de Belas Artes – UFRJ. Semi finalista no Prêmio Rockfeller de Visões em Sistemas de Alimentos (2019-2020); Residência Alterando Paisagens (2021). Autocozinha: workshop semanal no centro de atenção psíquica Freud Cidadão, Belo Horizonte (em andamento). Realiza Jantares no Escuro: experiência gastronômica multisensorial (2017-2020). Através de Cozinha Nômade, projeto transdisciplinar criado para integrar Artes Visuais, Ecologia e Cultura Alimentar, oferece workshops de conscientização alimentar através da fermentação selvagem, e desenvolve estudos com bio-materiais para abordar o relacionamento entre humanos, comida e interação social.
Uma cozinha ancestral oferece alimentos vivos. Técnicas milenares misturadas para produzir papel. Hora suporte, aqui objeto. O processo de confecção de objetos relacionais com a celulose bacteriana produzida a partir de resíduos alimentares é uma experiência com diferentes possibilidades: Cascas para alimentar sonhos vivos. Realizar as ideias e estabelecer uma conversa com a natureza. Observar a existência dos microorganismos, cultivar sem colonizá-los. Interagir e aprender com o ritmo do microcosmos sobre a transformação dos materiais e sobre o tempo. Como tornar isto vísivel? A fermentação e a poesia caminham sobre o mesmo solo. Um novo mapa. Uma folha crescida por bactérias coexistenciais. Seres vivos criantes da sobra à obra.
Confira as obras completas de Daniela Serruya Kohn aqui.
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TRANSKITCHEN
Lives in Belo Horizonte. Graduated in Painting at Fine Arts School (Federal University of Rio de Janeiro). Semi finalist at Rockefeller Food System Vision Prize (2019-2020); Changing Landscapes Residency (2021). Autocozinha: weekly at Freud Cidadão Mental Health Care Center, Belo Horizonte (ongoing). Realizes Dinner in the Dark: multisensory gastronomic experiences (2017-2020). Through Cozinha Nômade, a transdisciplinary project created to integrate Visual Arts, Ecology and Food Culture, it offers food awareness workshops through wild fermentation and develops studies with biomaterials to address the relationship between human beings, food and its social interaction.
Art as a bridge. Create and cross its fields. An ancestral kitchen offers living food. Mixed milenar techniques to produce paper. Sometimes support, now as an object. The making process of relational objects with bacterial cellulose made with foodwaste is an experience with different possibilities. Peels to feed living dreams. Carry out the ideas and establish a conversation with nature. Observe the existence of microorganisms, cultivate without colonizing them. Interact and learn with the rhythm of the microcosm about the transformation of materials and time. How to make it visible? Fermentation and poetry walk on the same ground. A new map. A leaf grows by coexisting bacteria. Creative living beings from peel to piece.
Check Daniela Serruya Kohn’s extensive work here.